Em ‘Fantasmas’ da HBO, o escritor, diretor e ator Julio Torres pinta um mundo psicodélico que caminha na linha tênue entre o familiar e o estranho. Ambientado em uma versão alternativa da cidade de Nova York, a história se concentra na versão alternativa de Torres e em sua busca para encontrar seu brinco de ostra desaparecido. Embora isso sirva como fio condutor do show, a história se expande com vários personagens, cada um apresentando uma faceta diferente da vida através de lentes caleidoscópicas que só poderiam ter sido apresentadas por alguém com a sensibilidade aguçada de Torres. Curiosamente, a concepção da história reside em um incidente real que aconteceu com Torres e que acabou lançando as bases para o que viria a ser um dos programas mais estranhos da TV no momento.
Em ‘Fantasmas’, Julio Torres apresenta uma versão ficcional de si mesmo, mas o incidente que dá início à trama no primeiro episódio é real. Após comprar um brinco chamativo e receber muitos elogios por ele, Júlio acaba perdendo-o em uma festa. O mesmo aconteceu com Torres há alguns anos, numa festa de passagem de ano. O artista multi-hifenizado revelou que comprou um lindo brinco de ostra, mas o perdeu na mesma noite, enquanto festejava em uma boate. Era o ano de 2020 e, após a contagem regressiva para o ano seguinte, Torres percebeu que seu brinco havia sumido. Ele passou a noite procurando, mas não conseguiu encontrar. Quando chegou em casa, ele decidiu fazer algo de bom com a perda de seu brinco favorito, e foi aí que lhe ocorreu a ideia de fazer um show sobre isso.
Como em qualquer escrita, um autor acaba trazendo partes de sua personalidade para a história, e o mesmo aconteceu com Torres ao escrever ‘Fantasmas’. Enquanto trabalhava no programa, ele foi diagnosticado com TOC, e trabalhar nisso o ajudou a perceber o quanto os objetos em nossas vidas servem como distrações para nós. Ele via o brinco como um “símbolo” ou um “substituto da coisa”, mas não como uma coisa real ou uma solução para qualquer problema. Além do personagem de Julio na série, Torres deu aos outros personagens coisas próprias para ficarem obcecados e revelarem sua natureza.
Torres também acrescentou a “prova de existência” exigida de Julio a cada passo do espetáculo. Representou algo como um cartão de crédito ou o visto O-1, que é concedido a “alienígenas de habilidades extraordinárias”. A frase anexada a este último torna-o ainda mais relevante no contexto do show, que parece totalmente sobrenatural, embora permaneça estranhamente familiar para o público.
Além de acompanhar a história de Júlio, o espetáculo também dá espaço para as histórias ao seu redor, contadas em vinhetas. Para Torres, esse foi o formato que a história sempre teve em sua mente. Desde seus dias no ‘Saturday Night Live’, ele aprimorou sua arte de contar contos que, apesar (ou por causa de) seus limites, eram mais impactantes. Autodenominando-se “o mestre de cerimônias”, o ator revelou que também foi específico sobre os cenários incompletos e sem nada ao fundo. Ao contar a história de uma pessoa, os holofotes recairiam sobre ela, iluminando apenas o que estava ao seu redor e nas suas imediações, enquanto o resto do mundo se desvanecia como se não existisse.
Mas esse destaque também traz uma sensação de solidão ao personagem. Para Torres, nenhum outro lugar apresentaria melhor a experiência da solidão do que a cidade de Nova York, onde, segundo Torres, “as pessoas só conseguem ver até onde sua experiência”. Com as vinhetas mudando de um personagem para outro, o foco recaindo sobre aquele determinado personagem removeria momentaneamente as narrativas de outros personagens. Torres quis valorizar isso no visual do espetáculo, o que levou à criação de cenários exclusivos para o espetáculo. Coisas como essas fazem de ‘Fantasmas’ um espetáculo inteiramente pessoal para Torres, contado a partir de seu ponto de vista único e abrigando vários elementos de sua personalidade real, embora a história e o protagonista permaneçam fictícios.